O rearranjo da burguesia diante da "crise financeira"

A continuidade da crise econômica nas últimas semanas vem revelando a grande capacidade dos Estados de agirem de maneira a manterem a ordem capitalista e evitar o que os analistas burgueses e capitalistas chamam de "colapso do sistema". Depois de duas décadas de avanço do mercado financeiro, com criação de mecanismo de funcionamento estimulados por novas tecnologias da informação, e pela ação estatal que configurou a atual arquitetura financeira, os capitalistas e os lideres partidários, dos partidos mais conservadores a partidos da esquerda reformista, começam a pensar em um novo funcionamento do mercado financeiro, ou em regulação de certos mecanismos financeiros.

Porém isso não quer dizer que o regime de acumulação de dominância financeira será substituído. Assim, o que vem sendo colocado em questão não são as novas é propriedade e suas formas jurídicas contemporâneas e nem seus proprietários, muito menos a superexploração do trabalho que sofre os trabalhadores. A grande preocupação é com a ação (governança) de governos, gestores de fundos de pensões, investimentos e etc. para manter a alta produtividade do capital, ou seja, de manter a maximização do lucro.

Neste sentido, a discussão é sobre o rearranjo dos mecanismos financeiros criados nas últimas décadas que alimentou continuamente a produção de Capital Fictício, ou da Bolha Financeira, e em certo sentido a centralidade americana e da sua moeda como ator central da economia internacional.

1. As Ações para Garantir os Ganhos dos Capitalistas.

A aposta americana no crescimento do consumo e da liquidez farta é que foi colocado em cheque. Somado a isso as ações do governo Bush, através de seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, e do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, além do ex-presidente Alan Greenspan.

Com o estouro da crise das hipotecas americanas e conseqüentemente com a deterioração das ações e o aperto de crédito, os bancos centrais entram em ação. Os governos americano, europeu e japonês tomaram medidas para aumentar a liquidez no mercado, com medidas que se diferenciam muito pouco. Todas as medidas tomadas até aqui tiveram como objetivo aumentar a liquidez dos mercados e favorecer os acionistas, os proprietários. A Europa anunciou um pacote 1,8 trilhão de dólares para garantir empréstimos interbancários e capitalizar seus bancos.

Entre as principais medidas estão à nacionalização de bancos ou o investimento do Estado em compra de ações (caso inglês e suíço), a ampliação drástica das garantias governamentais aos passivos do sistema financeiro e a provisão ainda maior de liquidez aos mercados pelos bancos centrais. Esta última medida significa que as linhas de "swap" (trocas de moedas) entre os principais bancos centrais mundiais sem qualquer limite. Essas medidas acabaram levando a uma maior concentração de capital.

A União Européia teve como meta inicial estabilizar o setor bancário. Quem emergiu neste jogo foi o Primeiro Ministro Inglês Gordon Brown, do Partido Trabalhista, que agiu rapidamente para estabilizar o sistema financeiro europeu e mundial. Segundo ele é necessário "Uma nova forma de capitalismo".

È ainda interessante notar a nova geopolítica e força de outros Estados, gerando uma nova e mais forte concorrência. A China detém 15% dos fundos da Fannie Mae e Freddy Mac e pressionou o governo americano pela sua estatização, pois não aceitaria perdas. Assim, "a fábrica mundial" também alimentou a onda de liquidez para o mercado. Na última década houve uma grande concentração de capital e um acirramento por controles de rotas comerciais e energéticas em todo o mundo, ainda mais com o ressurgimento russo e o crescimento chinês.

Com a crise financeira consolidada, os preços das commodities despencaram e o barril do petróleo que já chegou a quase 150 dólares caiu para 70. A alta dos alimentos, provocado pelo aumento da demanda mundial e pela especulação também começou a cair.

Com a recessão certa no centro do capitalismo, a preocupação dos organismos internacionais e dos capitalistas é evitar que ela se torne global. O economista Paulo Nogueira Batista Júnior, representante do Brasil no FMI, avalia que é necessário "Garantir o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, talvez seja a única forma de se evitar a recessão mundial".

2. A hora e vez de Brasil e China?

Com o aperto de crédito, retração do consumo mundial e diminuição do preço das ações a expectativa é saber como países da Semi-Periferia reagiriam à crise. No caso chinês a preocupação é como a diminuição do consumo mundial, principalmente americano iria afetar a grande produção chinesa. No caso brasileiro a retração do preço das commodities, uma vez que favorecia o país, e a questão da desvalorização do real.

Os chamados países emergentes, principalmente Brasil e China, são considerados "pelo mercado" os possiveis salvadores do ano de 2009. Nos últimos dias o Federal Reserve liberou linhas de troca de crédito com o BC brasileiro. Por sua vez o FMI, a partir de discussões do governo brasileiro, criou um instrumento de financiamento de acesso rápido para conter eventuais choques financeiros externos.

No Brasil, a diversidade da pauta exportadora e da sua economia, bem como dos parceiros comerciais amenizam o impacto. Não por acaso, todas as medidas tomadas pelo governo são elogiadas pelos setores organizados da burguesia, como a Associação Brasileira de Infra-estrutura e Indústria de Base (ABDIB) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). È importante salientar que a preocupação governamental é manter o mercado interno aquecido, uma vez que a despeito da grande importância das exportações, foi o mercado interno que manteve o crescimento da economia. Além, de evitar uma grande depreciação do real frente ao dólar que pode afetar a inflação caso haja um grande aumento da demanda interna.

O executivo federal deu carta branca ao BC para atuar na crise de forma a garantir a liquidez do mercado, para não diminuir muito o crédito, assim como deu liberdade de ação para o BNDES, BB e CEF manterem uma política de crédito para o setor industrial, da construção civil e agrícola.

Na China o governo anunciou uma série de reformas no campo, possibilitando a hipoteca das terras dos camponesas, como medida para aumentar o mercado interno. Assim, governos, capitalista e organismos internacionais vem apostando em um desenvolvimento do eixo comercial Brasil – China.

Não por acaso que o G-20 e o BRICs se reuniram em São Paulo este mês. O G-8 sobre pressão do presidente Francês Nicolas Sarkozy marcou uma reunião a ser realizada na sede da ONU em Nova Iorque. E o primeiro ministro britânico Gordon Brown propõe ainda a participação de economias semi-periféricas como Brasil, China, Índia e África do Sul neste encontro.

No atual momento, o capitalismo passa por uma reorganização e rearranjo de novas forças estatais importantes e de reconstrução de mecanismo da sua arquitetura financeira que levem em conta esse novo jogo geopolítico. No caso brasileiro a crise pode abrir, inclusive, nos caminhos para a política industrial brasileira. As medidas que estão sendo tomados tem como objetivo evitar uma recessão global, para isso a manutenção do crescimento da economia dos países do BRICs são fundamentais, mesmo que abaixo da atual. De maneira geral, os Estados do mundo tudo tem uma tarefa principal: garantir a rentabilidade dos capitalistas.